Inflação come boa parte dos ganhos do investidor até maio
Em maio, o Ibovespa subiu 3,22%, após ceder mais de 10% no mês anterior, com alta de 6,23% desde janeiro e ganho real (descontando a inflação) de 1,57%, mas volatilidade pesa sobre ativos. O mês que fecha o semestre dificilmente trará um cenário de investimentos menos conturbado.
A inflação tem sido a pedra no sapato dos investidores. Em meio ao movimento de alta da Selic, com a taxa já em 12,75% ao ano, poucas aplicações até aqui superam o IPCA, o índice usado pelo Banco Central (BC) para balizar a política monetária, muito por conta da volatilidade dos mercados.
Em maio, o Ibovespa subiu 3,22%, após ceder mais de 10% no mês anterior, com alta de 6,23% desde janeiro e ganho real (descontando a inflação) de 1,57%. Destaque para o índice de dividendos, com valorização de 4,26% no mês e de 14,16% no ano, ou alta de 9,15% quando se desconta a inflação. O Valor Data projeta IPCA de 0,28% para maio, com 4,59% no acumulado de cinco meses. O dólar recuou 3,87% em maio e no ano acumulava desvalorização de 15,26%.
Na renda fixa, o IMA-B 5 e o IMA-B 5+, que representam cestas de Tesouro IPCA+, com prazos de até cinco anos e acima disso, respectivamente, apontavam retornos acumulados de 6,25% e 3,17%.
À frente, o mês que fecha o semestre dificilmente trará um cenário de investimentos menos conturbado. Com o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) e o BC brasileiro em plena correção das taxas de juros, ainda que em fases diferentes, a mensagem é que a inflação segue como principal fonte de preocupação para preservar poder de compra e proteger a carteira dos investidores.
Ativos de crédito isentos, Tesouro IPCA+ e Tesouro Prefixado compõem as alocações, enquanto o caixa em Selic/CDI parte de uma remuneração que pode ficar ainda mais gorda. A fatia em ações, multimercados e em classes internacionais aparece com uma participação menor nas carteiras.
Em maio, os ativos oscilaram entre o “inferno e o paraíso” e isso é fruto de muita incerteza, com os agentes financeiros com dificuldades para colocar nas cotações qualquer tipo de convicção, diz Gina Bacelli, economista da área de estratégia de investimentos do Itaú Unibanco.
Os ingredientes que mexeram com os ânimos até aqui não devem se alterar de maneira significativa, afirma. O impacto da reação do Fed aos choques inflacionários, acelerando o ritmo de alta de juros, a guerra entre Rússia e Ucrânia como fator de pressão adicional nos preços das economias e o temor de recessão na China, com as políticas de isolamento social impostas por Pequim na sua meta de covid zero, são os principais elementos monitorados, enumera.
“O mercado vai seguir nessa gangorra, difícil de entender o que está guiando, a renda fixa caindo junto com a renda variável [nos EUA], é um cenário que reflete a mudança de política monetária nos Estados Unidos”, afirma Bacelli. Para ter uma ideia do que esperar da inflação, a especialista sugere olhar para os preços do petróleo, cuja alta recente coloca os bancos centrais na berlinda.
O Brasil, ainda que dentro desse contexto, antecipou o seu ciclo de alta de juros e está mais próximo de encerrar o ajuste. O Itaú estima o fim do ciclo em 13,75% ao ano, com mais duas altas. “A questão, agora, é quanto tempo a taxa vai ficar parada para levar a inflação para a meta”, acrescenta a executiva. A expectativa, por ora, é que as taxas comecem a ser cortadas a partir do segundo semestre de 2023.
No mapa de alocações do banco, a renda fixa aparece como uma das principais indicações. As carteiras estão investidas em títulos prefixados mais curtos, com prazo de até três anos, e em papéis atrelados à inflação, que apresentam retornos atrativos, assegurando ganho real no longo prazo. Uma das indicações tem sido montar uma carteira com títulos isentos, cujo benefício fiscal se reverte em rentabilidade extra.
Para bolsa, a indicação é “neutra”, ou seja, manter uma parcela estrutural em ações de acordo com a tolerância a risco. Numa escala de quatro perfis, o nível 3 aparece com uma alocação de 14% em renda variável, passando a 19% no mais arrojado.
“O Brasil está num contexto em que as bolsas emergentes performaram pior do que as desenvolvidas nos últimos anos, os preços estão muito atrativos, e com o aumento das cotações das commodities o mercado acionário local foi um dos mais favorecidos”, diz Bacelli, referindo-se ao fluxo estrangeiro dos primeiros meses do ano. “Mas para o investidor local ainda é um desafio quando se compara com um CDI que ainda está subindo.”
No exterior, a parcela antes dirigida a títulos “high yield”, de maior potencial de retorno e risco, foi calibrada para títulos com o selo “investment grade”, considerados mais seguros. A parcela em bolsas europeias foi reduzida pelas chances de o confronto entre Rússia e Ucrânia se prolongar, enquanto a exposição ao mercado acionário americano está neutra.
Um olho nos juros daqui, o outro nos juros de lá
O Itaú está entre as instituições que consideram que o Fed terá de ir além do que os preços incorporam hoje nas taxas de juros futuras nos EUA, e que a correção de rota será feita à medida que os dados da economia forem divulgados e a inflação, avaliada de forma mais qualitativa, afirma a economista do banco. Quando se analisa a difusão dos índices, o que se nota, diz, é que a alta não é causada por um ou outro item, está mais espalhada e é preciso medir o quanto é persistente.
“O Fed está começando o ciclo, está atrasado, e a taxa de juro real historicamente negativa. Quando um banco central começa [a aumentar os juros], nunca se sabe onde vai parar e, desta vez, menos ainda, haverá muita volatilidade. Os Estados Unidos têm uma geração que não viu inflação”, cita Bacelli.
Enquanto os dados correntes de atividade no Brasil têm surpreendido, o segundo semestre deve começar a trazer os efeitos das altas de juros feitas pelo Banco Central na economia, que ainda estará sob impacto de ajustes de preços que corroeram o poder de compra da população. “A gente achava que a Selic ia ser um pouco mais baixa e o BC não teria de impor uma taxa de sacrifício tão grande [ao crescimento] para ancorar a inflação, mas foi arrastado pelo resto do mundo e pela recuperação que permitiu recomposição de margem”, diz Damont Carvalho, gestor da Claritas.
Agora, a previsão da casa é que a Selic tenha mais dois aumentos e encerre o ano em 13,75%, podendo ficar estacionada nesse nível por mais tempo. A expectativa de que as reduções começariam no primeiro trimestre, para algo entre 8% e 8,5%, agora foram empurradas para o segundo, com a taxa caindo a 9,5%. Só que há uma eleição no meio do caminho. “Precisaria de algumas condições da próxima equipe econômica para um corte estrutural de juros, depende do Congresso, da política fiscal e de como vai ser o ambiente político”, afirma Carvalho.
O gestor até acha que na hora em que a campanha eleitoral começar para valer, a partir de agosto, os candidatos à direita e à esquerda se aproximarão de uma agenda mais centrista porque os extremos não favorecem a popularidade de maneira geral.
Com o cenário embaralhado aqui e lá fora, nos multimercados da Claritas, a decisão de apostar contra o índice de ações americano S&P500 já foi revertida e a preferência tem sido carregar estruturalmente posições em ouro e em petróleo.
A exposição em juros externos pressupõe que o Fed fará o que for necessário para controlar a inflação, com a taxa de juros se aproximando de 3%, podendo se estender com altas ao longo do ano que vem. “O que agora o mercado está se perguntando é sobre o tamanho da queda da atividade e o quanto isso pode ajudar no trabalho do Fed para deteriorar as condições financeiras globais e talvez reduzir a necessidade do aperto”, afirma Carvalho. “A inflação corrente pode ainda pregar muitos sustos e todo mundo questiona onde será a taxa terminal.”
No Brasil, o gestor diz insistir na tese de que os preços na economia alcançaram o pico de inflação, o que poderia abrir espaço para a redução dos juros ao longo do primeiro semestre de 2023. Ele vem carregando estratégias em juro real. Sem subestimar a volatilidade das eleições, o posicionamento pró-real via opções ficou mais leve. A avaliação é que o valor justo para o dólar seria na casa dos R$ 4,20, R$ 4,30, considerando os termos de troca, fluxo e prêmio de risco, e com um diferencial de juros “que aguenta muito desaforo” para operações de arbitragem entre taxas locais e internacionais.
Na renda variável, ele diz ter um viés um pouco mais otimista, mas tem recorrido a proteções para a exposição em commodities e alguns ativos ligados à economia doméstica. “Achamos algumas ações muito baratas, mas sem momento, sem um gatilho de curto prazo para compra de Brasil mais fundamentada.”
Com uma exposição à renda fixa maior do que outras gestoras de patrimônio, cerca de 50% dessa caixa na Galapagos está em papéis de dívida, segundo o gestor Luís Barone. “O crédito privado é mais imune ao cenário, sofre menos com as expectativas do mercado”, afirma. “A relação risco e retorno dos papéis e os fundos de renda fixa que a gente sugere são suficientes para o cliente ter uma rentabilidade de longo prazo satisfatória.”
Ele cita que, na média, a combinação dos ativos de crédito proporciona um retorno equivalente a CDI mais 5% ao ano. Como o grupo atua na estruturação e tem acordo com originadores, entra em operações consideradas pequenas para bancos, entre R$ 50 milhões e R$ 80 milhões, conseguindo entregar “taxas competitivas, sem cobrança de spread porque faz a colocação direta”, diz Barone.
A exposição a multimercados e renda variável oscila entre 10% e 15% nos perfis de risco moderados, podendo chegar a 20% no mais arrojado.
BY ALEXSANDER QUEIROZ SILVA
Fonte: Valor Investe