Veja o que fazer com os seus investimentos depois do décimo aumento da Selic
Nesta quarta-feira (4), o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) aumentou a Selic pela décima vez consecutiva, de 11,75% para 12,75% ao ano, para combater a inflação. Apesar da taxa básica de juros alta, a inflação ainda não deu trégua. Em sua comunicação, a autoridade monetária tirou uma dúvida do mercado e indicou que o ciclo de alta vai continuar no próximo encontro, em junho, em magnitude menor.
Assim, os investimentos de renda fixa, que agora podem dar retorno de 1% ao mês, ainda devem ganhar um chorinho a mais, enquanto as bolsas no Brasil e no mundo sofrem no atual cenário de incerteza. Essa é a palavra mais citada pelos especialistas em investimentos e gestores de fundos ouvidos pelo Valor Investe ao explicar o momento. As dúvidas vão além de até onde vai a Selic.
O cenário combina pelo menos três problemas: conflito entre Rússia e Ucrânia sem expectativa de acordo, aumentando o preço das commodities; China implementando restrições para conter a covid-19; elevando o medo da segunda maior economia do mundo afundar; e a subida de juros pelo Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) para controlar a inflação, que ainda não se sabe até onde vai. Nesta quarta-feira, o Fed aumentou a taxa em 0,5 ponto percentual, para a faixa de 0,75% a 1% ao ano.
Nesse cenário, os bancos centrais do Brasil e do mundo enfrentam um dilema. Caso aumentem demais os juros, podem atrapalhar o crescimento das economias. Mas se elevarem pouco os juros, a inflação pode continuar disparando.
“Os bancos centrais estão entre a cruz e a espada. Se grandes BCs do mundo acelerarem a alta de juros, pode ser que o do Brasil aumente a Selic durante mais tempo ou até um nível maior do que o esperado, o que mudaria o atual cenário para os investimentos”, explica Bruno Martins, gestor de renda fixa e crédito privado da Warren.
Em momentos de grande incerteza como agora, os especialistas e gestores aconselham que os pequenos investidores comprem especialmente títulos atrelados à inflação, pensando em realizar objetivos a partir de dois anos. Esses papéis remuneram uma taxa prefixada no momento da aplicação mais o IPCA do período.
“Historicamente, em períodos de incerteza, os títulos atrelados à inflação são os que mais valem a pena para objetivos de médio e longo prazo, porque a inflação sempre surpreende”, indica Martins. “Os papéis prefixados pagam bem em cenários muito específicos, mas acho complicado indicá-los para pessoas físicas, porque elas não acompanham o mercado toda hora”, acrescenta.
Bruno Di Giacomo, diretor de investimentos do escritório de agentes autônomos Blackbird, conta que os clientes conservadores andam aumentando a exposição em títulos atrelados à inflação e que ele tem indicado continuar elevando essa parcela na carteira. “As taxas de juros reais desses papéis, descontando a inflação, estão bastante atrativas e essa pode ser uma oportunidade de aproveitá-las”, recomenda.
Dá para achar papéis do Tesouro Direto com retorno perto de 6% ao ano mais IPCA, com datas de vencimento entre 2026 e 2055. A parcela prefixada está alta e a atrelada à inflação protege os investidores do aumento dos preços. Contudo, é necessário estar disposto a sacar o dinheiro apenas na data de vencimento para receber o rendimento combinado.
Já as plataformas de investimentos oferecem CDBs, LCIs e LCAs (essas duas últimas são isentas de imposto de renda) emitidos por bancos médios e pequenos com retorno mais alto e datas de vencimento mais curtas.
O risco de calote desses títulos é maior, mas até o limite de R$ 250 mil por CPF por instituição financeira, o Fundo Garantidor de Créditos (FGC) devolve o dinheiro caso o banco tenha problemas. Entretanto, muitas vezes não dá para resgatar o dinheiro antes da data de vencimento, nem se o comprador estiver disposto a receber menos do que o rendimento combinado.
Os especialistas e gestores também recomendam comprar títulos atrelados à Selic, CDBs indexados ao CDI ou fundos DI (também chamados de fundos simples), que passam a render mais com a alta da taxa básica de juros. Esses investimentos são aconselhados para guardar a reserva de emergência (que deve ser equivalente a seis meses de custo de vida ou mais) ou para realizar objetivos de até um ano.
Caso o investidor escolha CDBs, é importante checar se eles oferecem retorno de no mínimo 100% do CDI (para não receber menos que a Selic) e se têm liquidez diária.
Comprar ou não títulos prefixados?
Para os investidores que gostam de arriscar mais, alguns especialistas e gestores ainda aconselham aplicar uma pequena parte da parcela de renda fixa da carteira em títulos prefixados. Dá para encontrar papéis no Tesouro Direto com juros de 12,3% ao ano e CDBs, LCIs e LCAs com taxas acima disso.
Os juros desses títulos estão altos devido à expectativa de que a Selic aumente. Contudo, o risco é o investidor se fixar em uma taxa, a Selic ser elevada ainda mais do que o previsto e a pessoa ficar presa em um juro que paga relativamente pouco.
Di Giacomo, da Blackbird, é do grupo que indica papéis prefixados para os investidores mais arrojados com objetivos para realizar daqui dois anos, apostando que a inflação e os juros devem ceder.
Marcello Negro, gestor de multimercado da Fator Administração de Recursos, acha que vale a pena comprar prefixados com data de vencimento a partir de 2025. “Na minha interpretação, o mercado não está prevendo quedas de juros a partir do final do primeiro semestre do ano que vem, mais agressivas do que o esperado. Acho que as taxas dos prefixados vão cair e existe oportunidade”, afirma.
Bolsa está barata ou arriscada?
A cada alta da Selic, a bolsa perde mais atratividade em comparação à renda fixa e ainda sofre com as incertezas do exterior, como a guerra na Ucrânia, a covid-19 na China e, principalmente, a alta de juros nos Estados Unidos. Contudo, os especialistas e gestores afirmam que é hora de ter cautela. Eles aconselham manter as aplicações em renda variável com foco no longo prazo e alguns, mais ousados, a aumentar esses investimentos, defendendo que há ações baratas.
Negro, da Fator, indica comprar papéis ligados a commodities. “A guerra está demorando muito mais do que a gente imaginava e os preços das commodities mudaram de nível. Não estamos enxergando uma volta para o patamar anterior”, afirma.
Contudo, ele acha que o Ibovespa em si pode não ter um desempenho tão bom quanto esse setor nos próximos meses, porque os investidores estrangeiros não devem investir mais tanto no Brasil em meio ao aumento dos juros nos Estados Unidos. “Os juros americanos continuam sendo o maior risco para a bolsa e não dá para esquecer da eleição, esse ‘fantasminha’”, diz. O gestor de multimercado afirma que tem mantido a posição em bolsa, mas sem elevá-la.
Marcelo Guterman, especialista de investimentos da Western Asset, destaca que há ações baratas em comparação à média histórica e recomenda diversificar o máximo possível entre os setores. Entre os papéis mais baratos, ele ressalta os ligados à economia doméstica. “Bolsa é lugar para você estar, se você é um investidor de longo prazo”, sugere.
Eduardo Grübler, gestor de renda variável da Warren, aconselha que os investidores aumentem a exposição em bolsa para aproveitar os descontos. Contudo, adverte que é necessário estar preparado para enfrentar volatilidade nos próximos meses.
Ele estima que o Ibovespa, atualmente na casa dos 106 mil pontos, pode atingir 140 mil pontos até o final deste ano. Na análise de Grübler, se isso acontecer, o índice seria impulsionado pelas compras dos estrangeiros, que devem continuar investindo especialmente em ações ligadas a commodities e ao setor financeiro, apesar da saída deles nas últimas semanas.
“É bastante comum que, quando os mercados de renda variável desenvolvidos não estão indo bem, esse dinheiro venha para os emergentes”, justifica.
Contudo, caso o banco central dos Estados Unidos indique que vai acelerar a alta de juros, o gestor avalia que o Ibovespa pode chegar aos 90 mil pontos em 2022, acompanhando a o sofrimento das bolsas do mundo todo. Essa possibilidade é “bastante razoável”, conforme Grübler. Ou seja, é melhor o investidor preparar o estômago.
Fonte: Valor Investe