Resgates e baixo desempenho: o que está acontecendo com os fundos multimercados?
Há um compasso esperado entre o interesse dos investidores por renda fixa e a taxa de juro básica. Não há apetite para risco que resista à tentação de um investimento sem grandes perigos, que pague juros de 9,25% ao ano, como os economistas ouvidos pelo Banco Central para o relatório Focus acreditam que estará a Selic ao fim de 2021. Para 2022, a estimativa é ainda maior, de 10,25%.
A Selic a 7,75% (com a expectativa de alta de 1,5 ponto percentual ainda este ano) já despertou a atenção de muita gente e há uma clara migração de recursos de renda variável para renda fixa. Nesse fluxo, entre os fundos de investimentos, quem anda perdendo mesmo são os multimercados. Segundo dados da Anbima, os multimercados registraram saída líquida de R$ 13,4 bilhões em setembro, o pior mês para a classe desde abril de 2020, início da pandemia.
O que acontece com os fundos multimercados não chega a surpreender dado que está claro o impacto dos juros. Porém, o que chama a atenção é que até mesmo fundos tradicionais e famosos no mercado e de gestoras renomadas registraram saída líquida de dinheiro nos últimos dois meses. Estamos falando, por exemplo, dos fundos Adam Macro II FIC FIM, JGP Strategy FIC FIM, Bahia AM Maraú FIC FIM, Kinea Chronos FIM, Legacy FIC FIM, Canvas Enduro FIC FIM, AZ Quest Total Return FIC FIM e Claritas Total Return FIC FIM.
Alguns desses fundos tiveram resgates de ordem bilionária, ao considerar na conta os fundos espelhos que são vendidos em plataformas de investimentos e bancos, conforme mostram dados da Morninsgtar. Em geral, a saída veio dos investidores de varejo, de tamanhos de bolso diversos.
Para entender o que está acontecendo, todas as gestoras citadas acima foram procuradas pelo Valor Investe, algumas declinaram o pedido de participar da matéria (AZ Quest e Legacy), mas a maioria nem respondeu à solicitação da reportagem, o que geralmente não acontece quando pedimos entrevistas para os rankings de melhores fundos. Só a gestora Bahia Asset enviou uma resposta.
A gestora explica que seu fundo, o Bahia AM Maraú FIC FIM, busca oportunidades de investimento principalmente nos mercados de juros, índices de preço, moedas, renda variável e derivativos diversos e que o cenário atual apresenta maior volatilidade devido a eventos macroeconômicos no Brasil e no exterior. Reiterou ainda que seu horizonte de rentabilidade é de médio e longo prazo, de acordo com seu risco proposto.
“Temos acompanhado, nos últimos meses, uma tendência de queda nos recursos em fundos de investimentos, como multimercados, renda variável e IMA-B. Essa movimentação, que tende a ser cíclica, reflete principalmente o comportamento dos investidores de varejo e pode ser motivada principalmente por fatores macroeconômicos como alta da taxa de juros e maior volatilidade de ativos financeiros, que levam esses investidores a reverem suas posições e realocarem suas carteiras em outras classes de investimento com menor risco”, explicou a gestora.
Volatilidade e retorno
De fato, além dos juros, o ponto da volatilidade levantado pela casa também ajuda a explicar a retirada de recursos de muitos multimercados. E essa volatilidade acaba afetando o retorno de curto prazo de alguns desses produtos. Pegando uma lista de fundos que foram alvo de resgates recentemente, observamos que ele tiveram retorno negativo médio de 0,27% no ano até outubro, contra ganho nominal 3% do CDI. O investidor, porém, parece ignorar que os mesmos produtos batem o CDI em janelas de três e cinco anos (veja tabela abaixo).
Gabriela Mosmann, analista de investimentos da Suno Research, avalia que a maioria dos fundos multimercados com a estratégia macro, ou seja, que se apoia na expectativa do cenário macroeconômico para se posicionar em juros, câmbio e ações, que são a maioria da categoria, “não entregam uma rentabilidade tão interessante quando estamos com uma Selic alta, horizonte que temos visto agora e que não sabemos onde vai parar”, diz.
“Tem muita instabilidade na economia e, em momentos turbulentos, o investidor fica mais conservador. As pessoas estão apreensivas com a política fiscal do Brasil, eleição à vista, briga política, questões que levam o investir a buscar segurança em outros tipos de produto. E, assim, os fundos multimercados acabam sendo penalizados”, explica.
Como a grande maioria dos fundos macro está vinculada ao cenário econômico, político e, com o atual momento de instabilidade, fica difícil saber o que esperar. Então, o investidor olha para o lado e começa a fazer comparações.
Segundo a Anbima, a rentabilidade média dos multimercados ficou em 3,46% no acumulado do ano até setembro, melhor do que a de fundos de renda fixa, que está em 2,86% em 2021, e a dos fundos de ações, que ficou negativa em 0,86% no período.
O que acontece é que, por um lado, a expectativa para a renda fixa aumentou com a alta da Selic e há produtos, além do mundo de fundos, pagando 120%, 150%, 200% do CDI, como alguns CDBs (Certificado de Depósitos Bancários) e contas digitais remuneradas. Por outro lado, o investidor, mais educado, sabe que, se sair dos fundos de ações ou vender os papéis na bolsa, vai amargar o prejuízo acumulado. Alguns, inclusive, estão vendo o mercado em baixa como oportunidade de compra de ações.
A rentabilidade sempre contou na cabeça do investidor. Prova disso é que, dentro da classe de multimercados, alguns produtos de gestoras também conhecidas que acabaram conseguindo captar em meio ao cenário turbulento, tiveram um rentabilidade acima do CDI. É o caso, por exemplo, do Gávea Macro FIC FIM, cujo rendimento no ano foi de 7,94%, o Quantitas Mallorca FIC FIM (+6,25%), Clave Alpha Macro FIC FIM (8,24%), ARX Macro FIC FIM (7,14%), Vista Hedge FIC FIM (13,15%) e Kapitalo K10 FIC FIM (11,30%) – no mesmo intervalo de tempo dos fundos já citados no início da reportagem.
Combinação de fatores
Para Felipe Miranda, analista e sócio da casa de análise Empiricus, o que está acontecendo com os multimercados tem como base três principais questões, sendo a primeira delas, o fato de algumas gestoras de investimentos terem dado um passo maior do que a perna.
“Muitos fundos ficaram maiores do que deveriam e não tinham boas equipes ou gente suficiente para fazer coisas que não estavam acostumados. Enquanto o juro e o câmbio só fechavam, muitos foram ter uma aventura empreendedora no exterior financiada pelo cotista, para jogar um jogo que não é sua especialidade e não é seu círculo de competência. Alguns nem tinham equipe e outros contrataram equipe pequena e foram jogar a Champions League do mercado financeiro”, afirma o analista.