REITs, primos gringos dos fundos imobiliários, perdem mais de 25% no ano com pressão de juros
A guinada de juros em escala global provocou uma forte volatilidade nos mercados de todo o mundo. Nos Estados Unidos, referência mundial, além do cenário desafiador para os índices acionários, os fundos imobiliários americanos, conhecidos pela sigla REITs, em inglês, também sentem bastante os efeitos do ciclo de aperto monetário.
Isso porque, à medida que os juros sobem, os produtos de renda fixa ficam mais atrativos, uma vez que passam a oferecer uma rentabilidade maior e um risco menor. Por outro lado, o movimento impacta a cotação dos ativos da renda variável, como é o caso dos fundos imobiliários, que são negociados em bolsa.
E, ao contrário do Brasil, onde o banco central se antecipou, ainda no ano passado, e agora já estacionou os juros nas alturas, a autoridade monetária americana demorou para agir. Até aqui, foram quatro aumentos seguidos de 0,75 ponto percentual neste ano, sendo que o mais recente aconteceu no início de novembro, quando a taxa de juros dos Estados Unidos passou para uma faixa de 3,75% a 4%. Na incansável batalha contra a pressão inflacionária, mais um anúncio de alta é esperado pelo mercado até o fim do ano.
Franklin Tanioka, chefe de pesquisa da RBR Asset, lembra que a taxa de juros norte-americana de 10 anos (T-Note) estava próxima de 1,5% ao ano no início de 2022. De lá para cá, essa taxa mais que dobrou, para perto de 4%, em meio ao movimento de aperto monetário mais agressivo dos últimos 30 anos.
“Os REITs têm, definitivamente, uma correlação com o juro. E o cenário de aumento da taxa, como temos visto em todas as partes do mundo, é negativo para a renda variável como um todo e também para o mercado imobiliário. Como os REITs englobam essas duas categorias, eles já sofreram uma correção muito relevante, de quase 30% no ano”, destaca Tanioka.
A fotografia atual dos REITs se assemelha com o cenário de meses atrás dos fundos imobiliários brasileiros. A diferença entre um e outro, porém, diz respeito à trajetória de juros em cada país. Isso porque, por mais que o Brasil carregue os juros em patamar elevado, a perspectiva de redução no próximo ano já traz alívio para a cotação dos fundos, na direção oposta do que se vê nos Estados Unidos.
Setores que sofreram aqui também sofrem lá
Carlos Vaz, presidente da CONTI Capital, diz que o setor de escritórios ainda sofre bastante entre os REITs em razão das dúvidas em torno do trabalho presencial levantadas ainda no início da pandemia de covid-19. Assim como no Brasil, onde os fundos imobiliários de lajes corporativas são penalizados até hoje, ainda existem dúvidas sobre a força e a velocidade do processo de retomada aos escritórios.
O segmento de hotelaria, por outro lado, tem mostrado sinais mais claros de recuperação, ainda que em passos pequenos, uma vez que a inflação elevada atinge em cheio o bolso do consumidor. “À medida que o custo aumenta, as pessoas passam a tomar decisões pensando na questão financeira, como viajar para um lugar mais perto ao invés de ir para longe”, explica Vaz.
Um outro setor bastante conhecido pelos investidores brasileiros, o de galpões logísticos, segue a mesma toada do período pandêmico e continua em crescimento também entre os REITs. Vaz ressalta, porém, que o segmento agora está próximo de um patamar mais estável, diferente do que foi visto nos últimos dois anos, em que o setor disparou por causa do avanço do e-commerce no mundo.
Fora da curva
Um destaque no mercado de REITs é o segmento residencial, que tem forte presença nos Estados Unidos, ao passo que ainda engatinha no Brasil. E o setor se beneficia do ciclo de aumento de juros, uma vez que menos pessoas conseguem adquirir um imóvel por causa do maior custo de financiamento, cenário que tem forçado potenciais compradores a optarem pelo aluguel.
Tanioka, da RBR Asset, lembra que, no início do ano, a taxa de hipoteca americana estava em cerca de 3% ao ano, enquanto atualmente se aproxima de 7%. “Assim como o título dos Estados Unidos mais que dobrou, o custo do comprador também mais que dobrou para financiar”, avalia.
Além de taxas mais altas, os americanos também enfrentam um cenário de imóveis com preços nas máximas históricas. “Isso acaba afastando potenciais compradores de adquirir um imóvel neste momento, o que tem provocado uma redução no volume de transações de compra e venda”, explica.
Na mesma linha, Vaz, da CONTI, lembra que a última vez em que as taxas de juros imobiliárias de 30 anos dos Estados Unidos encostaram em 7% foi em 2002. “A grande diferença de lá para cá é que uma casa comum de entrada tinha um valor em torno de US$ 200 mil, enquanto hoje o preço da mesma casa está acima de US$ 400 mil, então o valor dobrou nesses 20 anos”, comenta. “O poder aquisitivo dos americanos caiu e, por isso, eles estão optando pelo mercado de aluguel“, reforça.
Esses fatores, somados a uma demanda mais fraca, tendem a forçar uma redução nos preços dos imóveis nos Estados Unidos pouco mais à frente, segundo Tanioka. “A tendência é que o preço desses imóveis, à medida que vai impactando a demanda, comece a cair, dado que tem menos potenciais compradores. Esse é um efeito natural pensando nos próximos trimestres”, afirma o chefe de pesquisa da RBR.
Pela ótica dos REITs, a receita das companhias do setor residencial é baseada no negócio de locação e não de compra e venda de imóvel, por isso tendem a se beneficiar do atual momento. “Hoje é mais barato alugar um imóvel do que arcar com a parcela da hipoteca. Um indicador que mostra isso é a diferença de preço entre a parcela nominal da hipoteca e do aluguel, que está na máxima dos últimos 10 anos”, afirma Vaz.
Com o aumento da demanda da locação, dado que muitos americanos que tinham projetos de adquirir um imóvel vão precisar recorrer ao aluguel até que as taxas de juros voltem a patamares mais próximos do histórico, o cenário fica menos “aterrorizante” para as companhias que desenvolvem imóveis para locação.
Para além do setor residencial, Tanioka pondera que alguns segmentos de REITs se saíram melhor que outros durante a pandemia, mas, de forma geral, todas as empresas hoje estão com balanço e estrutura de capital no melhor momento da classe de ativos. “REITs existem há mais de 40, 50 anos e, justamente por isso, já passaram por vários momentos de volatilidade”, defende.
Lições da crise de 2008
Ele destaca ainda que, depois da crise de 2008, as companhias adotaram uma postura mais conservadora em termos de dívida e conseguiram melhorar o perfil de crédito. “Quando a gente compara a estrutura de capital e o nível de endividamento em 2008 e em 2022, hoje as empresas têm alavancagem menor, com prazos de dívidas mais longas e custos menores”, complementa.
Assim, por mais que tenha um cenário desafiador, já que o ciclo de aumento de juros não é positivo para o mercado de ações e os fundos imobiliários, Tanioka acredita que não existe risco de as empresas do setor quebrarem, dado que estão com melhor estrutura de capital.
Pelo lado do comprador, outra mudança é que, naquela época, os americanos conseguiam adquirir imóveis com hipotecas sem conseguir comprovar a renda necessária para fazer jus às obrigações das dívidas. Hoje, no entanto, os credores, bancos e agências são mais exigentes e assertivos em fechar a torneira em momentos de maior incerteza, o que dificulta o acesso ao financiamento, que exige níveis de cobertura de renda maiores do que em 2008.
Um exemplo de que as taxas de hipotecas não representam um risco iminente de inadimplência é a relação entre a parcela de financiamento e o montante disponível de renda da população. Em 2008, como mostra o gráfico abaixo, o indicador estava na máxima, de 7,2%, o que significa que a hipoteca tinha um grande peso na renda do americano. Hoje, porém, essa relação está próxima da mínima histórica, em 3,9%.
De forma geral, resume Tanioka, os REITs devem continuar com resultados positivos em razão do equilíbrio de saúde operacional das companhias. No entanto, o desempenho desses fundos no mercado de capitais depende de um nível de juros estável e sem chances de novas altas ao longo dos próximos trimestres. “Essa é a grande questão do mercado de fundos imobiliários americanos hoje”, diz.
“Os juros elevados acenderam um temor em torno de uma desaceleração forte da economia dos Estados Unidos que pode ser relevante no próximo ano. Somado a isso, o fato de o mercado de capitais sentir diretamente o impacto de um juro elevado já trouxe correção relevante de quase 30% dos REITs“, reforça o chefe de pesquisa da RBR.
Fonte: Valor Investe
By: Yasmim Tavares