Por que o PIB cresceu no trimestre em que a pandemia atingiu o auge?
Economistas explicam por que o número de casos de covid não está diretamente relacionado ao movimento do PIB.
No começo deste ano, a economia brasileira voltou ao patamar em que se encontrava antes da crise da pandemia. Mas o crescimento de 1,2% do PIB (Produto Interno Bruto) no período, acima do esperado por especialistas, ocorreu em um momento em que os números de casos de covid-19 atingiram seu patamar mais preocupante no país. Especialistas ouvidos pelo InvestNews apontam diversos motivos para as direções opostas dos números da economia e da situação sanitária no Brasil.
O Brasil encerrou o primeiro trimestre de 2021 com mais de 12,7 milhões de casos de covid-19 registrados – um crescimento de 65% em relação aos três meses anteriores, segundo cálculos feitos pelo InvestNews a partir de dados do Ministério da Saúde. Ao final de março, o país viu os números chegarem ao topo da curva de contaminação.
Mas se o primeiro trimestre de 2021 foi até então o pior momento da crise sanitária, o pico de baixa da economia parece ter ficado para trás. É o que apontam economistas considerando os números do Produto Interno Bruto (PIB). Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o pior momento para a atividade foi o 2º trimestre de 2020, quando o PIB caiu mais de 9%. Naquele momento, o Brasil acumulava cerca de 1,4 milhão de casos de covid-19 registrados.
O economista Matheus Albergaria, professor da Fecap, explica que não há uma relação direta entre o aumento do número de casos de covid e a atividade da economia. “Há muitas coisas acontecendo em uma economia complexa como a brasileira”, afirma.
“Pode ser que o aumento de hoje tenha impacto daqui a 3 ou 6 meses. É um efeito retardado”, diz o professor, exemplificando com um fenômeno em que “o número de casos se traduza em um aumento de desemprego e taxa de inflação daqui a 3 a 6 meses. O que dá para dizer é que há efeitos defasados em choques econômicos”.
Orlando Assunção, professor do curso de economia da FAAP, também comenta que é preciso levar as defasagens em conta ao analisar o movimento da economia. Ele cita, por exemplo, os dados do desemprego – que seguem batendo recorde mesmo com o PIB se recuperando. “A questão do emprego tem uma defasagem temporal em relação à atividade econômica”, diz ele.
“Além disso, tem outro fenômeno: há uma série de pessoas que abdicaram de procurar emprego. Muita gente desistiu. número de desalentados cresceu bastante. Então, mesmo que a economia retorne com força, os dados do emprego não vão mudar rapidamente, porque vai aumentar a quantidade de pessoas que vão voltar a procurar trabalho”, explica Assunção.
Mudança de comportamento
Além dos efeitos de defasagem, os economistas citam ainda as mudanças comportamentais que também ajudam a explicar a falta de relação direta entre curva de casos de covid e crescimento do PIB.
“Tem um descolamento natural mesmo entre indicadores de contágio e economia”, diz Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating. Ele relembra que a forte queda da economia especialmente em março e abril de 2020 tinha como pano de fundo uma disponibilidade menor de informação sobre a forma de contaminação, o que deixava os consumidores mais receosos.
Agora, além de mais clareza sobre os cuidados necessários, Agostini acrescenta que a vacinação já em curso também muda o cenário. “O processo de imunização, ainda que lento, está em curso. E o avanço está deixando as pessoas um pouco mais confiantes.”
Também analisando o comportamento dos consumidores e empresários, Assunção comenta que “a dinâmica da atividade econômica não esteve ligada ao número de casos, e sim ao receio da população, das medidas de isolamento decretadas e aderência a essas medidas”.
“Naquele momento do início, as pessoas respeitavam muito o isolamento social. Quase ninguém na rua nas primeiras semanas de março. Depois, não. O PIB começou a se relacionar muito mais com o respeito ao isolamento que as pessoas faziam ou não”, diz o professor. “Por isso você pode ter momentos como o que a gente viu, de número de casos crescendo fortemente e não se vê uma queda da economia – pelo contrário, tem retomada.”
Albergaria também cita esse fato, dizendo que “houve um relaxamento do governo e da população, pois há uma necessidade de boa parte das famílias de trabalhar para viver”.
Mas a crise acabou?
Apesar de o PIB ter voltado a crescer, economistas ainda veem a situação com cautela. O primeiro ponto de atenção é a possibilidade de uma terceira onda de covid-19, especialmente em meio a um processo de vacinação considerado lento por especialistas.
Além disso, Albergaria acrescenta que é preciso levar em consideração os impactos que o novo coronavírus deve ter sobre a economia mesmo depois que a pandemia passar. “A pandemia, dada a sua duração e a sua gravidade, vai ter impacto de curto, médio e longo prazo.”
Além dos impactos imediatos como fechamento de estabelecimentos e aumento do desemprego, o professor analisa os efeitos que ele considera ainda “mais preocupantes” sobre a economia. “A pandemia que acontece hoje vai ter impacto de longo prazo sobre as gerações futuras. As crianças e os jovens de hoje ainda vão sentir os impactos em termos uma variável muito importante que os economistas chamam de capital humano. Basicamente é educação e qualificação profissional. E Isso vai estar comprometido, no mínimo, para a próxima década.”
Valor monetário da vida
Albergaria comenta ainda “o custo relacionado à perda de vidas”. “Embora seja um tema um pouco controverso, há estudos em economia que tentam mensurar o valor da vida em termos monetários. Por exemplo: um jovem que morre aos 16 anos, tudo o que ele produziria e salários que ganharia ao longo da vida é um custo para a sociedade. Então, além da clara tragédia humana, também seria possível o cálculo do custo econômico das vidas perdidas.”
“Se a gente conseguisse somar o custo do desemprego, fechamento de empresas e o custo econômico das vidas perdidas, teríamos um custo exorbitante para o Brasil”, finaliza o economista.
Fonte: Investnews
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