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Juro e inflação em alta: o que fazer para se proteger?

Como se não bastasse um IPCA em 9% ao ano e a expectativa de alta do juro básico, investidores ainda precisam lidar com o risco político e fiscal. Entenda o que pode ser feito em termos de investimento neste cenário turbulento.

A inflação oficial de 0,87% em agosto, divulgada ontem, veio acima das expectativas e acendeu mais um sinal amarelo no radar dos investidores. Durante o pregão de ontem, agentes de mercado já se apressavam em rever as apostas e projeções sobre o nível em que o Banco Central terá que colocar a Selic para conter o processo de aumento de preços. E se não bastasse um IPCA acumulado em 12 meses rodando acima de 9,5%, o cenárioeconômico ainda conta com mais pitadas de emoção, como a insegurança no âmbito político, a crise hídrica e uma incipiente greve dos caminhoneiros. O resultado disso? Uma alta intensa nos contratos de juros futuros negociados na B3, que promete mexer com o bolso dos investidores.

Na tarde de ontem, os contratos de DI saltavam quase meio ponto percentual, com as taxas dos contratos que vencem em janeiro de 2022 fechando na casa de 7,4%, os contratos para janeiro de 2023 em 9,375% e o DI para janeiro de 2025 em 10,45%. Para traduzir, é como dizer que os agentes de mercado estão embutindo em suas projeções que a Selic, que hoje está em 5,25%, ficará, na média, acima de 10% entre hoje e o fim de 2024. Ou ao menos que esse é o juro que os grandes investidores estão exigindo para assumir o risco de fazer uma aposta para esse horizonte.

Mas afinal, em um momento como esse, o que o investidor deve fazer?

“A gente já está há um tempo com o risco político e fiscal no radar mas, por conta da pandemia, situação atípica, o mercado deu uma colher de chá para o governo. Agora, com a estabilização da situação e até recuperação econômica à vista, é possível ver claramente que as coisas não estão acontecendo, as reformas não andam e ainda temos de lidar com um debate político polêmico, que está deixando o mercado agitado. Vamos ver muita oscilação ainda, até nos títulos públicos – os investidores estão pedindo um prêmio de risco maior para lidar com isso”, explica Gabriela Mosmann, analista da casa de análise Suno Research.

Segundo Alexandre Espírito Santo, economista da Óramaessa reação da curva de juros é algo esperado para um cenário de incerteza como o atual, que ainda deve passar por mais um período de volatilidade.

A reação da curva de juros é natural, porque hoje, além da inflação estar elevada, no curto prazo temos outros fatores importantes como a questão de crise hídrica, uma eventual greve de caminhoneiros, então podemos ter problemas de abastecimento de combustível e isso impactaria nos preços da economia”, afirma.

Ele explica que como esses fatores podem levar a um aumento significativo da inflação, os juros também tendem a subir. Isso porque uma das formas de se estancar a inflação é aumentar os juros (ou seja, “encarecer o dinheiro).

Proteção

Em um cenário como este há duas ações a serem feitas com nosso dinheiro: protegê-lo e investi-lo, aproveitando as oportunidades que aparecem.

No caso de proteção, Gabriela, da Suno, deixa claro que o importante é o investidor se proteger da inflação e/ou da alta dos juros. Isso pode ser feito com papéis atrelados ao IPCA e ao CDI, respectivamente. É interessante para o investidor tentar acompanhar os movimentos do mercado com títulos públicos que vão refletir a variação do humor.

“Geralmente os títulos pós-fixados, do Tesouro Direto, serão reajustados diariamente conforme a variação da expectativa para a Selic, que, por sua vez, é um mecanismo usado para combate à inflação e estará sempre relacionado ao movimento do IPCA. Os títulos Tesouro Selic, por exemplo, seguem o movimento do juro básico, enquanto os títulos IPCA+ não apenas protegem da variação da inflação como têm uma taxa prefixada que, em momentos de incerteza como o que vivemos hoje, tem uma gordura maior. Se o mercado vê mais risco, pede um prêmio maior”, explica.

Lucas Radd, líder de Portfolios e Advisory do Inter, concorda, mas reitera que não é preciso alongar muito a carteira de títulos públicos, ao ver os papéis com vencimentos mais longe pagando mais. “Nem sempre o melhor investimento do momento é a melhor estratégia”, diz.

Para ele, ao contrário do que se pensa, alongar porque tem prêmios maiores pode trazer um risco desnecessário e atrapalhar o investidor de mudar de estratégia quando o cenário mudar.

“Se o investidor ficar alocado em títulos de até três anos de vencimento pode, quando vier um novo momento, aproveitar outras oportunidades. Hoje o momento é de se atrelar aos papéis de ‘IPCA + uma taxa’ e ‘CDI + uma taxa’ de médio prazo e tem oportunidade nesses ativos porque a curva está muito aberta neste momento”, explica, lembrando que justamente pela incerteza estar mais concentrada no curto prazo, é onde há assimetria na curva de juro futuro e onde também dá para aproveitar oportunidades.

Gabriela Mosmann, da Suno, comenta que o investimento em ações também pode ser usado como forma de proteção. “Se você consome muitos bens e serviços fornecidos, e sabemos que a inflação é diferente para cada tipo de pessoa, por que não ter ação da empresa? Claro, uma empresa que tenha bons fundamentos. Por exemplo: se eu uso muita energia elétrica, por que não ter na minha carteira para carregar no médio e longo prazo uma boa empresa do setor? Uma boa empresa vai crescer acima da inflação e ter ajuste nos dividendos. A mesma lógica para alimentos e bebidas, supermercados, entre outros”, diz.

Oportunidade

E por falar em oportunidades, Alexandre Espírito Santo resume bem momentos como este: “Em qualquer crise no mercado aparecem oportunidades. Eu vejo algumas”, diz.

Ele também vê oportunidade de rentabilidade – não apenas no olhar da proteção – nos títulos IPCA+. “As NTN-Bs estão bastante atrativas, com rendimento onde o investidor recupera a variação da inflação e ainda ganha mais juros reais”, afirma.

O momento de se aproveitar é agora. Ainda mais se a expectativa de Luiz Henrique Wickert, analista sênior da plataforma de investimento sim;paul, estiver certa: a curva já empinou bastante e pode ser que não demore muito para voltar.

“Não parece que estamos com a inflação mais descontrolada do que no passado. Apesar de estarmos na casa de 9% em 12 meses, como deve fechar este ano, a expectativa é que ano que vem volte para a casa de 4%. O Banco Central sinalizou que está focado em fazer o IPCA voltar para a banda. Por isso que acho que pode ser uma boa oportunidade investir em NTN-Bs agora. Se essa curva que está mais inclinada agora, depois desinclinar, vai beneficiar bastante quem comprar o tesouro IPCA neste momento”, pontua.

Ainda em títulos públicos, os prefixados não parecem, na visão dos especialistas a melhor opção porque é difícil prever qual o melhor momento para entrar (e travar a remuneração) já que está muito instável e as taxas estão sendo atualizadas a todo momento. Além disso, também é difícil prever até onde vai a Selic e, portanto, a oportunidade que os investidores estariam abrindo mão ao ficarem ‘presos’ algum tempo na taxa fixa. A mesma lógica pode ser aplicada a CDBs (Certificados de Depósitos Bancários) e outros títulos prefixados.

Há também boas oportunidades em títulos de crédito privadoTêm CDBs pagando taxas muito elevadas, de 12% ao ano. Mas para investir nisso, é claro, o investidor precisa observar quais são os riscos e garantias daquele produto”, diz Espírito Santo, da Órama.

Ainda dentro de renda fixa, Lucas Radd, lembra que há uma ótima oportunidade de aproveitar também os ativos isentos de imposto de renda. “Pouca gente lembra que os títulos atrelados à inflação não seguem à risco a inflação porque têm a cobrança do imposto, não apenas na parte fixa, mas também sobre o IPCA. Por isso, o ativo isento pode ser um grande aliado”, diz.

Ele cita como exemplos de ativos isentos CRIs, CRAs, LCIs, LCAs (lembrando que os dois últimos estão protegidos pelo Fundo Garantidor de Créditos e os dois primeiros não).

Outra alternativa, ainda melhor, em sua opinião, seriam os fundos de debêntures incentivadas. Primeiro porque são mais pulverizados e, consequentemente têm um risco bem menor comparado ao investimento em um ativo só ou em poucos. Em segundo lugar, têm um gestor profissional fazendo a seleção dos ativos e reinvestindo os cupons. Além disso, têm a vantagem de liquidez mais alta que os títulos, que são geralmente de um a três anos – a maioria dos fundos de debêntures incentivadas pode ser resgatado em 30 e poucos dias.

“O argumento de que o título comprado diretamente não é marcado a mercado e sim na curva cai por terra muito rápido porque, se o investidor precisar de liquidez, vai tomar a marcação a mercado de qualquer forma e ainda paga um prêmio pela liquidez”, explica. Ele lembra que já existem fundos de debêntures incentivadas, inclusive, negociados em bolsa, cujo resgate acontece em até dois dias.

Juro real – Espírito Santo, da Órama, destaca que em um cenário de inflação alta, muitas aplicações podem fazer com que os investidores “percam” dinheiro. Afinal, o rendimento delas é menor do que a inflação (ou seja, o rendimento/juro real delas é negativo). Portanto, embora o montante de dinheiro aplicado tenha crescido, o poder de compra diminuiu, já que as coisas encareceram.

Apesar de Espírito Santo considerar a bolsa uma boa oportunidade no momento, especialmente para investidores de longo prazo, analistas da XP Investimentos destacam que um período de juros altos tende a ser prejudicial para as ações.

Renda variável

Em momentos turbulentos, os investidores tendem a correr de ativos de risco. Em relatório, a estrategista de ações da XP, Jennie Li, afirma que com a trajetória de alta da inflação, a política monetária do Banco Central deve continuar a ficar cada vez mais apertada, com mais ajustes de alta na Selic. “E juros mais altos, de forma geral, tendem a ser negativos para a bolsa, pois competem por aplicações financeiras de investidores que devem buscar rendimentos cada vez mais atrativos em renda fixa”, afirma.

Mas, neste caso, como há um componente grande de problema doméstico, os especialistas estão recomendando alguns ativos de bolsa simprincipalmente porque a nossa não acompanhou a recuperação internacional deste ano e, por isso, ainda têm boas oportunidades quicando, não apenas em ações, mas em fundos imobiliários também.

A própria analista da XP destaca isso no mesmo relatório, ao dizer que alguns setores podem se beneficiar disso. “Setores como o de supermercados conseguem repassar preços maiores e, portanto, são resilientes em cenário de inflação em alta”, diz.

Segundo o documento, empresas do setor financeiro também são diretamente beneficiadas. “Com uma alta na taxa básica de juros, bancos tendem a aplicar uma taxa maior em empréstimosporém o reajuste nos custos de captação é mais lento. Em outras palavras, a diferença entre o que os bancos recebem e pagam fica maior.” Por fim, as seguradoras, que têm como parte da fonte de receita as aplicações feitas no mercado financeiro, também tendem a ter retornos maiores.

Luiz Wickert, da sim;paul, lembra ainda dos fundos imobiliários, cujos aluguéis dos inquilinos, no caso dos fundos de tijolos, são reajustados pela inflação. Além disso, a pandemia foi ‘cruel’ com muitos deles, que negociam a um valor até menor do que seu patrimônio. “Ainda estamos em um período de depreciação, não apenas de aluguéis, mas de preço de imóveis e, por isso, o investidor pode pegar duas recuperações, a do aluguel e imóvel”, comenta.

Até mesmo os de papéis, ou seja, que têm em sua composição títulos de dívida corporativa do setor, podem ser boas opções.

Os de papéis são até mais interessantes porque são menos arriscados. Enquanto os de tijolos precisam ser avaliados um a um porque seu risco de vacância e oportunidade depende do(s) ativo(s) que têm na carteira, os de papéis são mais genéricos e pulverizados. O de papel tem a remuneração atrelada a um indexador, geralmente a inflação, o que também ajuda a proteger das oscilações recentes”, explica.

 

Fonte: Valor Investe

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