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“Está difícil competir na renda fixa ou na renda variável com o mercado americano, pelo menos por enquanto”

No comando da área de análise macroeconômica da Bradesco Asset Management (BRAM), o economista-chefe Marcelo de Toledo tem uma visão que destoa da média do mercado. Ele vai na direção contrária do excessivo pessimismo que vem tomando conta do mercado em relação à China. Acredita que os bancos do país têm condições de suportar problemas decorrentes da desaceleração do mercado imobiliário. Toledo trabalha com uma Selic terminal de 8,5% ao ano, abaixo da média do mercado, e projeta o juro americano se mantendo em níveis historicamente elevados ao longo deste ano e possivelmente em 2025. O resultado, diz o economista, é que “está difícil competir pelo dinheiro dos investidores americanos”. A Capital Aberto entrevistou Toledo sobre cenário global e perspectivas para 2024.

Do ponto de vista das expectativas do mercado, o começo de 2024 se mostra melhor do que foi no início de 2023?

No ano passado, havia uma dúvida grande se os bancos centrais conseguiriam retomar o controle da inflação. Outra dúvida bem importante é se o combate a alta de preços levaria vários países para uma recessão. No caso dos Estados Unidos, era uma grande dúvida. Esse debate continua existindo, mas em menor intensidade. Há menos incertezas sobre a inflação e o nível de atividade do que há um ano. No Brasil, a gente naturalmente tinha um outro elemento, que era o novo governo, sobre qual seria a política fiscal, a política econômica. Este ano começamos com incertezas menores. Acho que esses debates sobre juros, inflação e crescimento estão entre faixas mais estreitas.

Você citou graus de incertezas sobre como o novo governo conduziria a política fiscal e a economia como um todo. Um ano depois dá para dizer que o governo Lula, pelo menos nestes quesitos da condução econômica, acertou?

Quando a gente faz um balanço, a política fiscal era o grande tema de incertezas no mercado doméstico. Isso foi abordado de uma maneira equilibrada. Tivemos um novo conjunto de regras que trazem uma previsibilidade em relação à trajetória de despesa, metas também para o resultado primário, medidas que reduzem essa incerteza e trazem uma previsibilidade maior em relação à trajetória fiscal. Não podemos esquecer da reforma tributária, que por décadas foi debatida sem sair do lugar. É lógico que agora tem toda a etapa ainda que vai regularizar diversos pontos da reforma e com os efeitos práticos colhidos ao longo do tempo.

Este ano vem ganhando corpo um pessimismo cada vez maior com a China. Para alguns, há riscos de que a crise no mercado imobiliário prejudique bancos, o crédito e se espalhe. Você também está pessimista com a China?

 

Eu não acho que a forte contração do setor imobiliário dos últimos três anos, iniciada por medidas do governo, vá levar a China a uma crise financeira. O país vive um processo muito concreto de redução no ritmo da construção para algo mais equilibrado em relação à demanda final. Esse processo gera falência de empresas e severas dificuldades. É parte do processo de reestruturação. Muitos fazem paralelos com a crise imobiliária na Espanha, que afetou bancos, ou nos Estados Unidos, que

também levou a uma crise bancária. A minha visão é de que esta correlação não ocorrerá na China porque o problema não é de inadimplência das famílias que compraram esse imóvel, mas é o problema das construtoras que fizeram projetos muito ambiciosos e que estão tendo que voltar atrás.

Outro ponto é uma visão de que os bancos da China têm capacidade de absorver esses prejuízos que vão acontecer no crédito realizado junto com as construtoras. Falando em crescimento menor chinês, eu gosto de chamar a atenção para o fato de que a renda per capta na China é um terço superior à do Brasil. Uma economia neste nível cresce naturalmente a um ritmo menor, desacelerar para 4% ou 5% de crescimento é razoável.

O juro básico doméstico está em 11,25% ao ano, após sucessivos cortes de meio ponto percentual, o que para uma parte de gestores é um patamar excessivamente alto. Qual a sua visão sobre o ritmo de afrouxamento da política monetária doméstica?

Precisamos dar um passo atrás e analisar os movimentos do Banco Central. A autoridade monetária agiu rapidamente ao cenário, tomou ações fortes para controlar a inflação e muitas vezes foi criticado pela rapidez com a qual ele subiu a taxa de uso. No ano passado, o BC conseguiu uma desinflação sem grandes custos. O IPCA acabou fechando dentro da meta com uma convergência no segundo semestre dos núcleos de inflação. A gente sempre pode debater uma reunião do Banco Central, se ele poderia ter feito um passo um pouco menor, um pouco maior, mas eu acho que o importante é que o BC neste ciclo como um todo tem obtido sucesso. O BC começou a fazer um corte de juros em agosto, até de forma um pouco antecipada ao que o mercado debatia. O ritmo de 50 pontos é, grosso modo, adequado. Tem dados que sugerem espaço para acelerar o passo e outros que reforçam como adequado o ritmo atual. A combinação desses riscos faz com que o ritmo cauteloso seja o mais adequado.

Qual a sua previsão para a Selic terminal?

A gente trabalha com 8,5% para o final do ano com cortes de meio ponto por reunião. O mercado vem ajustando as previsões. A nossa é um pouco mais otimista e o argumento básico é que vemos o juro real neutro perto de 4,5%. Com a expectativa de 3,5% para o ano que vem, o que levaríamos a um juro nominal de 8%. A gente posiciona a Selic um pouco acima disso. Quando a gente compara com a previsão do mercado, de juros nominais de 9,5% ao final do processo, isto nos levaria a juros reais de 6%, que na nossa estimativa é bem acima do juro real neutro. Nos parece que os 6% de juros reais é uma dose que tem uma distância substancial em relação ao nível neutro.

Com o movimento de redução da Selic e de manutenção da taxa americana elevada por um período maior, qual o efeito deste diferencial no fluxo de investimentos. A saída líquida de investidores estrangeiros da bolsa brasileira em janeiro pode ser reflexo disso?

É difícil dizer se é uma relação direta. O diferencial de juros entre Brasil e Estados Unidos de fato continua razoavelmente alto, mas é importante lembrar que não estamos falando de qualquer opção para o investidor estrangeiro. Taxas de juros nos Estados Unidos, tanto os fed funds quando a curva de juros, estimulam o investidor americano a dar preferência, principalmente na renda fixa, para investimentos internos. Então para os demais emergentes competirem com o fed funds é uma dificuldade. Sem um corte mais agressivo na taxa de juros americana a gente vai ter um grande fluxo de renda fixa para países emergentes em geral.

E o fluxo para a renda variável dos emergentes também sofre pressão neste cenário?

Olhando globalmente a questão de renda variável, o que a gente deve reconhecer também é que a perspectiva, a atratividade das empresas americanas, principalmente na parte da tecnologia, de fato, não encontra competidores no mundo. Mas, certo ou errado, a visão é que onde existe o maior dinamismo, a maior inovação, é nos Estados Unidos. Isso introduz uma dificuldade para que o investidor americano ponha recursos em outras regiões, falando no mercado acionário. Eu acho que, tanto na renda fixa, quanto na renda variável, todos os países estão com grande dificuldade de competir com o mercado americano.

A China de alguma forma participa desta equação?

Creio que sim. Já falamos de vários riscos associados à China, o que é um problema adicional. Vários países emergentes têm ligação com a China. Este fator também torna a competição com os mercados americanos um pouco mais difícil. Está difícil competir com, tanto na renda fixa, quanto na renda variável, com o mercado americano, pelo menos por enquanto.

Qual sua visão sobre o horizonte para corte no juro americano?

Desde o final do ano passado, a gente passou a trabalhar com cortes em junho. Nossa visão era de que não teria uma recessão nos Estados Unidos, de que a economia permaneceria relativamente forte e que a queda dos juros seria gradual. Corte em maio é possível, mas junho é mais provável. Vai ocorrer uma recalibragem, talvez o Fed chegue no fim do ano com taxa próxima a 4,5%. Somos cautelosos com cortes também em 2025. Acredito que o juro possa continuar historicamente alto no país. Talvez indo a 3,5% o que leva a um juro real mais alto nessa década.

Fonte Capital aberto

Por Jiane Carvalho

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